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quarta-feira, 22 de agosto de 2012


A revolução da esperança
 
Por Edson Pereira Lopes

 

 

Uma reflexão do livro de FROMM, Erich – A Revolução da Esperança. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1969.

  
A Proposição do autor consiste na constatação de que a América (E.U.A.) está vivendo uma encruzilhada. De um lado, a estrada mecanizada em que o homem é um indefeso dente da engrenagem das máquinas. Por outro lado, a estrada do renascimento do humanismo e da esperança em que a técnica esteja a serviço do bem-estar do homem. (p.13).
Com esse pressuposto em mente, Fromm apresenta o objetivo de sua obra, A Revolução da Esperança, pretendendo esclarecer os problemas e conscientizar os homens da ameaça que o mundo tecnológico representa para a vida pessoal e espiritual do homem, e decidir defender sua liberdade transtornando o curso dessa evolução (p.21). Tal conscientização deve buscar soluções necessárias com a ajuda da razão e amor apaixonado pela vida, não através da irracionalidade e do ódio (p.13).
 O livro é dirigido, inicialmente aos Estados Unidos no ano de 1968, para uma ampla gama de leitores com diferentes conceitos políticos e religiosos, mas que partilham da preocupação com a vida e do respeito pela razão e pela realidade (p.13).
          Um novo espectro que espreita a sociedade modernizada é a máxima produção, consumo materiais e os computadores. Nesse processo social o homem está sendo transformado apenas em uma parte da máquina total, bem alimentado e distraído, passivo, não-vivo e com pouco sentimento (p.19). Trata-se da sociedade onde os seres humanos não possuem outras metas a não ser produzir e consumir cada vez mais. “Não queremos nada, nem tampouco não queremos nada” (p.19).
            A sociedade tenectrônica explora com facilidade as mais avançadas técnicas de comunicação para manipular emoções e controlar a razão. De maneira que sem percebermos somos ameaçados pela extinção por armas nucleares e pela insensibilidade interior, pela passividade criada pela nossa exclusão e tomada de decisões responsáveis (pp.19,20).
            A razão pela qual isso ocorreu está no aspecto de que o homem após encontrar o conhecimento que pudesse dominar a natureza, enfatizou apenas à técnica, ao consumo material, e o homem perdeu o contato consigo mesmo, com a vida. Perdeu a fé religiosa e os valores humanistas, concentrando apenas nos valores técnicos e materiais, deixando de lado a capacidade para experiências emocionais profundas. “A máquina que construiu tornou-se tão poderosa que desenvolveu seus próprios programas e agora determina o próprio pensamento do homem” (p.20).
            Percebe-se que há uma crença, a do século XIX, de que a máquina ajuda a aliviar o fardo do homem, e não vêem o perigo de que, se permitirmos que a tecnologia siga a sua própria lógica, ela se transformará num tumor semelhante a um câncer, ameaçando finalmente o sistema estruturado da vida individual e social (p.21).
            Por esta razão é que um dos problemas mais sérios do mundo tecnológico está no princípio de que nossa economia se apóia na produção de armamentos e no consumo máximo, dando-nos a sensação de bom funcionamento com a condição de que estamos produzindo bens, sem percebermos a ameaça da destruição física, que transforma o indivíduo em um consumidor totalmente passivo, insensível, criando burocracias para que o indivíduo se sinta importante (p.20).
            A partir dessa conscientização Fromm demonstra que possui esperança quanto a uma possibilidade de devolver o sistema social ao controle do homem. Tal esperança baseia-se no princípio de que há uma crescente insatisfação com o mundo tecnológico, e um crescente desejo por um mundo alegre e significativo, que o tornem diferente do animal bem como do computador “Essa tendência é muito forte porque a parte ‘afluente’ da população já provou da satisfação material total e descobriu que o paraíso do consumidor não proporciona a felicidade prometida[...] As pessoas buscam uma nova orientação, uma nova Filosofia, que se centralize nas prioridades da vida-física e espiritualmente – e não nas prioridades da morte (p.22).
            Sendo assim, a esperança de Fromm é que a partir da conscientização do homem haja a ativação do indivíduo, a restauração do controle do homem sobre o sistema social e a humanização da tecnologia.
            Todavia, pergunta Fromm: o que é esperança?
            Em busca de um diálogo a respeito do termo “esperança”, visto que sua pretensão não é definir o que é esperança, mas espera mobilizar um diálogo entre ele e o leitor (p.29)  Fromm revela, inicialmente, o que não é esperança:
 ·        Não é cobiça e consumo. Portanto, não diz respeito necessariamente ao desejo de algumas coisas (p.24).
·        Não se trata apenas de “esperar” passivamente, pelo tempo, até que a esperança se torne um disfarce para a resignação, uma simples ideologia (p.24).
·        Não é algo somente alcançado no futuro. O culto do futuro é precisamente a alienação da esperança (p.25).
·        Não é um forçar irreal de circunstâncias que não podem ocorrer, pelo contrário, a base da esperança é a possibilidade de sua realização (p.27).
 Em contrapartida, Fromm, apresenta sua interpretação quanto à palavra “esperança”:
·        “Ter esperança significa estar pronto a todo momento para aquilo que ainda nasceu e não se desesperar se não ocorrer nascimento algum durante nossa existência” (p.27).
·        “Ter esperança é um estado de ser. É uma disposição interior aquela atividade intensa, mas “ainda não gasta” (p.29). “Ainda não gasta”, é uma referência ao fato de que muitos afirmam que não estão passivos, visto que estão laboriosos em seu trabalho. Entretanto, para Fromm, eu posso estar “cheio” de trabalho e ainda assim ser passivo. Podemos verificar o pensamento de Fromm quanto a esta constatação ao afirmar:. “E sempre se imaginam imensamente ativas, embora sejam impulsionadas pela obsessão de fazer algo a fim de fugir à ansiedade despertada quando elas são confrontadas consigo mesmas” (p.30).
A esperança está intimamente ligada a fé, que pode ser acional ou irracional. A fé racional resulta da atividade interior da pessoa; a fé irracional é a submissão a determinadas coisas que se aceita como verdadeira, independentemente de sê-lo ou não (p.32).
A esperança baseia-se na fé, visto que também ela apresenta a possibilidade, no presente, de transformação e ação.
A fé é a convicção sobre o que ainda não foi provado, o conhecimento da possibilidade real, a consciência da gravidez. A fé é racional quando se refere ao conhecimento do real que ainda não nasceu; ela é baseada na capacidade de conhecimento e compreensão, que penetra a superfície e vê o âmago (p.31).
 
Outro aspecto referente à esperança é a firmeza pode ser compreendida como “coragem”, cujo significado consiste na capacidade de resistir à tentação de se comprometer à esperança e a fé, transformando-as em otimismo vazio ou fé irracional. É a capacidade dizer “não” quando o mundo quer ouvir “sim” (p.32).
Para compreender melhor o termo firmeza deve-se associá-lo a palavra “destemor”. A pessoa destemida não teme ameaças, nem mesmo a morte.
Entretanto, não podemos confundir destemor com:
·         Desamor pela vida. Às vezes uma pessoa destemida é interpretada como alguém que não teme a morte. Porém, nem sempre uma pessoa destemida é aquela que não teme a morte, às vezes ela é destemida no que se refere à morte, pois o indivíduo não valoriza a vida, de maneira que não possui medo quanto à morte, mas teme a vida (p.33).
·         Submissão a um ídolo, instituição ou idéia. A pessoa prefere morrer ao invés de desobedecer aos comandos do ídolo, que são ordenanças sagradas (p.33).
O destemor que proporciona uma das bases da esperança consiste na pessoa plenamente desenvolvida que apóia dentro de si própria e ama a vida (p.33). Esse destemor conduz sempre as mudanças individuais e sociais, não permitindo a estagnação, que é sinônimo de morte, antes há, um despertar do sentimento de força e alegria inconfundíveis gerando o sentimento de uma nova fase da vida que está por começar (p.33).
Nota-se ainda que ao tratar da morte no contexto da ressurreição, Fromm interpreta a morte como sendo o ato da preguiça, de cobiça, de egoísmo (p. 34). Enquanto, que a ressurreição ou o homem e a sociedade ressurreta vivem a cada momento o ato de esperança e de fé no momento presente como ato de amor, estado de ser cônscio e de compaixão.
Assim, diante de nós está o confronto com alternativas de ressurreição ou morte; a cada momento damos uma resposta. Essas respostas estão não no que dizemos ou pensamos, mas no que somos, na maneira como agimos, para onde nos estamos dirigindo.
Nesta mesma perspectiva Fromm compreende a visão messiânica dos profetas do Antigo Testamento, enfatizando que também eles se preocupavam com a realidade presente, não necessariamente do futuro, livres inclusive das vendas da opinião pública e da autoridade externa. Por esta razão, tais profetas propunham metas espirituais que deveriam ser aplicadas ao processo político e social de sua época (p.37).
Em suma, nos primeiros capítulos Fromm propõe:
1)              A sensibilização e consciência de que estamos na encruzilhada entre a tecnologia e seus efeitos ao homem e a humanização da tecnologia, ou seja, a tecnologia a favor do homem;
2)              apresentar um diálogo entre ele e o leitor com relação ao termo “esperança”, procurando contribuir para a discussão de que a esperança não comporta a concepção simplista de “esperar” passivamente, mas que esperar é estar pronto e disposto a agir no presente.
Com referência aos pensamentos apresentados nos dois primeiros capítulos referente à relevância  de Fromm para a atualidade destacamos seu princípio de que a desesperança é uma marca característica da existência humana (p.37). A desesperança acompanha o homem desde sua origem e este fato produz no indivíduo algumas conseqüências indesejáveis:
·        Coração endurecido, destrutibilidade e violência. Fromm faz referência aos delinqüentes juvenis e adultos que em determinados momentos de sua vida, por não sentirem coisa alguma e que, portanto jamais serão magoados, começam a magoar os outros. O mais triste é que “sentem orgulho da sua intocabilidade e prazer em serem capazes de magoar” (p.38). Creio que a atitude de desesperança de muitos jovens e adultos pode explicar grandes avanços da violência tão comuns em nosso mundo, basta ver algum noticiário ou ler algum jornal. 
Pessoas que destroem a vida do pai, da mãe, dos parentes próximos, sem qualquer sentimento ou culpa. É fato notório de que isto está tão presente em nosso século que deparamo-nos com uma pesquisa estabelecida pela USP e Universidade de Londres que mapeou sérios transtornos na população brasileira na faixa etária de sete a catorze anos, demonstrando pelo menos 7% dentre 3,4 milhões de jovens demonstram agressividade intensa e desafiam constantemente as normas sociais. Provocam brigas, praticam pequenos furtos, enfrentam autoridades, maltratam animais, causam incêndios e utilizam armas[1].
·        A insensibilidade como fator gerador das guerras. Outro fator de relevância no pensamento de Fromm, semelhante ao visto anteriormente, consiste nas angústias proporcionadas pelas diversas guerras. Fromm relata a Primeira Guerra Mundial, a Guerra Civil Espanhola, a Segunda Guerra Mundial, Vietnã, e outras. Estabelece ao mesmo tempo uma crítica severa ao Governo norte americano, pois, ele sempre esmagou um pequeno povo a fim de “salvá-lo”.
Ora, lamentavelmente, o que estamos presenciando em nosso século, a Guerra no Iraque, onde pareceu-nos que Fromm esteve presente em nosso século. O discurso não mudou a idéia de suposta “salvação” continua, e mais em nome de “Deus”. D. Cláudio Hummes comenta o discurso de Bush e Hussein afirmando que não se pode fazer guerra em nome de Deus, em nome de uma religião. As religiões não promovem o ódio e a violência[2].
·        Tecnologia fator de exclusão social. Os apontamentos de Fromm no que se refere às problemáticas desencadeadas pela tecnologia podem ser visto no mundo em que vivemos e que afeta particularmente o Brasil.
Percebemos que o acesso às novas tecnologias não está disponível para todas as pessoas, visto que o computador é uma máquina extremamente cara. Já alguns anos a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo vêm procurando investir em tecnologias na escola pública. Todavia, o questionamento estabelecido pela sociedade é o fato de que a criança que freqüenta a escola pública, geralmente é uma pessoa que mal tem o que comer. De maneira que seria melhor dar alimentos do que tecnologia. Lembrando ainda que, tecnologia não é um fim em si mesma, apenas meio, no caso citado, para a educação. Além do que, nada substitui uma boa aula planejada e fundamentada nos conteúdos essenciais para a discussão.
 
Com relação à religião tenho a observar:
·        Fromm ao comentar a respeito da fé diz: “Não precisamos de fé naquilo que é cientificamente previsível, nem tampouco pode haver no que é impossível” (p.31). É fato que Fromm não tem uma preocupação religiosa quanto à fé, todavia, devemos compreender que entender a fé é muito mais complexo do que esta definição, que na minha opinião é simplista.
Olhando para o conteúdo bíblico observamos que na concepção do escritor de Hebreus a fé é: “é a certeza de cousas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem[...] De fato, sem fé é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam” (11.1,6).
Diante do que Hebreus declara, creio que um dos aspectos da fé é justamente acreditar que algo impossível pode se realizar, contrariando assim, o princípio de Fromm de que a fé não pode partir de aspectos impossíveis.
A preocupação de Fromm nos referidos capítulos consiste na proposta de revelar à sociedade humana, que o homem, em um futuro bem próximo, será apenas um apêndice da máquina de produção, despida de todo e qualquer sentimento, governado pelo ritmo e exigências da máquina (p.54). A esperança de Fromm, em revelar o futuro bem próximo do homem frente a maquina, está em demonstrar como fazer para humanizar a sociedade tecnológica (p.71).
Fromm distingue algumas definições de “homem”: Homo Faber – fabricante de ferramentas; Homo sapiens – conhecimento no sentido de raciocínio que tenta compreender o âmago dos fenômenos, ou seja, o é real (p.72). Homo ludens – homem o jogador; Homo negans, que pode dizer “não”, embora a maioria dos homens diga “sim”, quando sua sobrevivência ou vantagem o exija (p.72). Homo esperas – homem esperançoso.
 A partir de suas proposições, Fromm, demonstra a trajetória histórica do industrialismo dos séculos XVIII e XIX.
Na primeira Revolução Industrial o homem aprendeu a substituir a energia viva (a dos homens e animais) pela energia mecânica (a do vapor, petróleo, eletricidade e do átomo).  Resultado dessa substituição de energia foi a organização industrial (empresas), dirigidas pelos proprietários, que competiam entre si, exploravam seus empregados e lutavam com eles pela divisão dos lucros (pp.42,43).
 A segunda Revolução Industrial segue a primeira, com agravante de que por meio dela, não está havendo somente uma substituição da energia viva pela mecânica, mas também que o pensamento humano está sendo substituído pelo pensamento de máquinas (p.43). Resultado dessa substituição pode ser verificada no fato de que nossas profissões pessoais como liberdade e fé em Deus, estão se gastando quando comparadas com a realidade da conformidade obsessiva do homem da organização, guiada pelo princípio do materialismo hedonista (p.43).
Muitos acreditam que a falta de opressão política direta é manifestação da realização de liberdade pessoal e a produção de máquinas melhores, do que em épocas anteriores, é sinal de progresso. Todavia, poucos percebem que o mesmo homem que sempre lutou pela liberdade e pela felicidade, deixa de ser humano e se transforma numa irrefletida e insensível máquina (p.44). O fato é que, a humanização do homem é cada vez mais enfraquecida à medida que o homem se escraviza à máquina, cada vez mais pela sua cobiça. (p.45).
Fromm parece aceitar o conceito “megamáquina” de Lewis Munford. Lewis profetizava um sistema social totalmente organizado e homogêneo no qual a sociedade teria funções tais como uma máquina e os homens como as de suas peças (p.46).
Pela total coordenação, pelo “constante aumento da ordem, poder, previsibilidade e, principalmente, controle, esse tipo de organização alcançou resultados técnicos quase miraculosos nas antigas“megamáquinas” como as sociedades egípcias e babilônica e encontrará sua expressão mais plena, com a ajuda da tecnologia moderna, no futuro da sociedade tecnológica (p.46).
 
A esperança de Fromm é que o leitor se conscientize de que a sociedade tecnetrônica, que pode ser o sistema do futuro, valer-se-à do conceito da “megamáquina”, a não ser que reorientemos nossa sociedade, revelando os efeitos do sistema tecnológico sobre o homem (p.48). Para isso é necessário conhecer os princípios orientadores do sistema tecnetrônico para em seguida apresentar os efeitos desses princípios sobre o homem.
            O programa é dirigido por dois princípios que orientam os esforços e os pensamentos dos que trabalham nele:
·         O primeiro princípio é a máxima de que algo deve ser feito porque é tecnicamente possível faze-lo (p.49). A tônica recai nas palavras “deve” e “possível”. Tudo o que é possível deve ser feito, mesmo que tal “coisa” sirva para nossa própria destruição (p.49).
·         O segundo princípio é o da eficiência e produção máximas (p.49). A exigência da eficiência máxima conduz à exigência da individualidade mínima (tudo deve ser realizado em grupo ou na companhia): “A fim de se atingir esse resultado, os homens devem ser desinvidualizados e ensinados a encontrar sua identidade na companhia em vez de em si mesmos” (p.49).
No segundo princípio, nota-se alguns aspectos na compreensão da proposição “eficiência e produção máximas”:
·         Eficiência econômica, que exige cuidadoso raciocínio. O problema de ser economicamente eficiente, quer dizer, usar a menor quantidade possível de recursos para obter o efeito máximo (p.50).
·         Quanto mais produzimos, melhor. O êxito da economia do país, na perspectiva deste princípio, é medido pela elevação na sua produção total. Na questão educacional, quanto maior número de diploma no curso superior, tanto melhor (p.52). “Poder-se-iam apresentar indefinidamente exemplos do conceito de que o constante aumento de quantidade constitui a meta da nossa vida; na verdade é a isso que nos referimos como“progresso” (p.52).
·         O enfraquecimento da questão da qualidade. A preocupação é com a quantidade, não com a qualidade. “É fácil ver que a predominância desse princípio de quanto mais tanto melhor conduz a um desequilíbrio em todo o sistema. Se todos os esforços são orientados para fazer mais, a qualidade da vida perde toda a importância e as atividades que outrora eram um meio passam a ser um fim” (p.53).
 
Quanto aos efeitos desses princípios sobre o homem, Fromm, assinala que o homem é reduzido a um consumidor, cuja meta central é ter mais e usar mais. Ora, tal sociedade somente pode produzir muitas coisas inúteis e muita gente inútil (p.54), ao mesmo tempo em que o homem se torna uma coisa e deixa de ser humano (p.55).
A consequência de tal postura social conduz o homem para alguns problemas patológicos:
·         Tédio inconsciente. A indústria procura evitar o tédio, através de vendas automobilísticas, produções cinematográficas, televisão, etc. Entretanto, a indústria somente consegue tornar o tédio inconsciente, sem, contudo, eliminar sua existência (p.55).
·         Passividade e a síndrome da alienação. Sendo passivo, o homem não se relaciona ativamente com o mundo e é forçado a submeter-se aos seus ídolos e às suas exigências. Por conseguinte, sente-se indefeso, solitário e ansioso. A submissão parece ser a única maneira de evitar a ansiedade intolerável, e mesmo a submissão nem sempre alivia a sua ansiedade, conduzindo ao hedonismo, onde o homem procura aliviar sua ansiedade nos diversos prazeres (p.55).
·         Supressão dos sentimentos. Na sociedade tecnetronica não há preocupação com o emocional do homem. O amor se tornou irracional (dependente), cuja conseqüência inevitável é a dependência de outras pessoas.
           
 
 INTERFACE COM A ATUALIDADE
·                   Razões psicológicas para as crenças do homem – Fromm revela um princípio que parece explicar a cega submissão de muitos ao obedecer a determinados líderes seja religioso, seja político. Trata-se do amor irracional, que acentua a dependência da pessoa, tornando o indivíduo passivo, indefeso e solitário, com pouco senso de integridade ou de identidade própria. A submissão parece ser a única maneira de evitar a ansiedade intolerável, apesar de saber que a submissão nem sempre alivia a sua ansiedade (p.55).
Uma das razões da ansiedade humana consiste no princípio de que é inato ao homem à necessidade das “certezas” (p.62). Ele quer crer que não há necessidade de duvidar que o método pelo qual ele tomas suas decisões é certo. De fato, preferiria tomar a decisão “errada”, e estar seguro a respeito dela, a tomar a decisão “certa”, e ser atormentado por dúvidas quanto à sua validade. Esta é uma das razões psicológicas para a crença do homem e líderes políticos. Todos eles retiram a dúvida e o risco da sua tomada de decisões (p.63).
Segundo Fromm, a “certeza” foi garantida pelo conceito de um Deus onisciente, onipresente e onipotente, que sanava todas as dúvidas. A interpretação da revelação de Deus era feita pela Igreja, o que garantiu a influência e a importância da Igreja durante a Idade Média. A Igreja garantia a certeza de que a pessoa estaria no caminho da salvação e da vida eterna no céu, ou seja, no caminho correto (p.63).
Na Idade Moderna, o homem trocou a “certeza incerta” que o pensamento racional pode dar por uma “certeza absoluta”: a suposta certeza científica, baseada na previsibilidade. (p.64) Esta proposta é garantida hoje, na concepção de Fromm, pelo computador que permite a previsão e se tornaram os fiadores da certeza (p.64).
Para Fromm, a intensa necessidade de certeza humana parece indicar a razão pela qual o homem necessita de crenças externas, abdicando de sua liberdade, rendendo-se cegamente à vontade de um líder, de um computador ou de um transcendente (p.65).
É digno de nota que, “o homem em seu desejo de segurança, aprecia sua própria dependência, especialmente se esta lhes é facilitada pelo conforto relativo da vida material e por ideologia que dão o nome de “educação” à lavagem cerebral e de liberdade à submissão” (p.78)
Há muitos líderes que se utilizam dessa fragilidade humana e usurpando poderes miraculosos, dignam-se como “deus”, de forma, que são vistos como onipotentes, onisciente e consagrados, e que por fim se sentem no direito de manipular as crenças, as promessas e colocar todos debaixo de sua submissão (p.78,79). Assim sendo, aquilo que seria algo para “fortalecer” o homem, acaba enfraquecendo-o cada vez mais (p.78) pelo processo de manipulação, que tem como efeito colateral, a sua desumanização. Ao comentar este princípio recordo que no mês de Maio de 2002, houve uma série de reportagens na mídia denunciando a manipulação e a cega submissão de pessoas que alugaram imóveis em seus próprios nomes para a instalação de comunidades locais da Igreja Renascer. Em letras garrafais de uma reportagem na Revista Época, do dia 20 de maio de 2002 apareceria registrada: “A bispa Sonia conquista o público com palavras emocionadas e um estilo que alterna risos, choros, gritos e fala mansa” (Época, 20 de maio, p.52).
 
·                   A concepção de Deus - Dentre várias concepções de Deus de Fromm nos capítulos I,II,III e IV, destaco alguns princípios norteadores que podem nos ajudar a compreender o conceito de Deus em Fromm:
1)                           Deus é um ser determinista e dogmático que deve ser obedecido sem qualquer questionamento. Diz Fromm: “Mas se o desastre ocorre depois que as decisões são tomadas, baseadas em “fatos” indiscutíveis, é como um ato de Deus, que se deve aceitar, porquanto o homem não pode senão tomar a melhor decisão que sabe como tomar” (p.65).
2)                           Deus e o computador são formas de decisões alienadas. “[...] tanto a decisão religiosa, que é uma rendição cega à vontade de Deus, quanto a decisão do computador, baseada na fé lógica dos “fatos”, são formas de decisões alienadas nas quais o homem entrega seu próprio discernimento, investigação e responsabilidade a um ídolo, seja ele Deus ou o computador” (p.65). Na página 68 ele declara: “Nossa era descobriu um substituto para Deus: o cálculo impessoal. Esse novo Deus se transformou num ídolo a quem todos os homens podem ser sacrificados. Um novo conceito do sagrado e do indiscutível está surgindo: o da calculabilidade probalidade e do sentido fatual”.
 
·                   A “proposta religiosa” de Fromm. Fromm não descarta a importância da religião, todavia, só pode permitir uma religião humanista. Religião na qual o homem não seja entregue à rendição cega, pelo contrário, entende que cabe ao homem toda e qualquer decisão para isso, parte do princípio dos profetas do Antigo Testamento, que eram ativos e conscientes de sua realidade.
·                   A informação e o comunicação das massas – Fromm todavia tece a consideração de que pelo “crescimento do alfabetismo e dos meios de comunicação de massas, o indivíduo aprende rapidamente quais os pensamentos “certos”, qual o comportamento correto, que sentimento é normal, que gosto está na moda. Tudo o que ele tem a fazer é ser receptivo aos sinais da comunicação das massas, e pode ter certeza de que não cometerá engano. As revistas de moda dizem de que estilo se deve gostar, e os clubes do livro dizem que livros devem ser lidos, e, para coroar os métodos recentes para encontrar cônjuges apropriados para o casamento são baseados nas decisões dos computadores” (p.67,68). Neste mesmo contexto compreende que a informação é intensa, entretanto, poucos possuem uma reflexão crítica das notícias, facilitando assim, a passividade e desvio das atenções reais que o ser humano deveria ter de sua existência.
 
 
 
 
 
 
     
     






[1] - ANTENORE, Armando – Distúrbio mental afeta até 3,4 mi de jovens. Jornal Folha de São Paulo, 20 de abril de 2003, C6.


[2] - HUMMES, Cláudio – Páscoa, fonte de paz. Jornal Folha de São Paulo, 20 de abril de 2003, Tendências /Debates.

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