MARTINHO
LUTERO
Por
Edson Pereira Lopes
Extrato da obra: Aos conselhos de todas as cidades da
Alemanha para que criem e mantenham escolas cristãs.Obras selecionadas. São
Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia Editora, 1995, vol 5, p. 302-325.
A tônica de Lutero
e razão do seu destemor
Lutero era um destemido:
[...] exilado e
proscrito há cerca de três anos, certamente eu deveria ter silenciado, se
tivesse temido os mandamentos dos homens, mais do que a Deus. Assim também
muita gente grande e pequena na Alemanha ainda perseguem, pela mesma razão, a
tudo que digo e escrevo e por causa disso derramam muito sangue. Agora, porém,
Deus me abriu a boca e me ordenou que falasse; nisso ele me assiste
vigorosamente e, sem conselho e ação de minha parte, fortalece minha causa e a
divulga tanto mais quanto mais raivejam,
e se comporta como se risse e zombasse de sua fúria,como diz o Sl 2.4.
Somente nisso todo aquele que não está endurecido já pode notar que esta causa
é a própria causa de Deus, visto que aqui se revela aquela qualidade da palavra
e obra divina: quanto mais rigorosa a perseguição e repressão, tanto mais ela
cresce. Por isso quero falar e não silenciar (como diz Isaías 62.1) enquanto
viver, até que a justiça de Cristo irrompa [...] (p. 302, 303).
Foco do destemor de
Lutero: Incentivar
às autoridades alemãs a criarem e manterem escolas.
As escolas estão no abandono
[...] constatamos hoje
em todas as partes da Alemanha que as escolas estão no abandono. As
universidades são pouco frequentadas e os conventos estão em declínio. [...]
Afinal, que se aprendeu até agora nas universidades e conventos a não ser tornar-se
burro, tosco e estúpido? Houve quem estudasse vinte, quarenta anos e não sabe
nem latim nem alemão. Não quero falar da vida vergonhosa e dissoluta na qual a
nobre juventude foi corrompida tão miseravelmente. É bem verdade: se as
universidades e conventos continuarem como estão, sem a aplicação de novos
métodos de ensino e modos de vida para os jovens, preferiria que nenhum jovem
aprendesse qualquer coisa e que ficassem mudos (p. 303, 306).
Razões do Abandono:
1.
Educação
que resulte em benefício financeiro: [...] Pois é, dizem
eles, ‘que haverão de estudar se não podem tornar-se padres, monges e freiras?
Que aprendam algum ofício com que possam sustentar-se’. Esta sua própria
confissão revela com suficiência as intenções e a mentalidade dessa gente. Pois
se não tivessem procurado nos conventos e fundações ou no estado clerical
apenas o bem-estar da barriga e alimento material para os filhos, e se tivessem
tido intenções sérias de procurar a salvação e a bem-aventurança de seus
filhos, não desanimariam desta forma nem desistiram [...] Pois, na verdade não
queremos preocupar-nos somente com o sustento de nossos filhos, mas também com
sua alma. Certamente é isso que pais verdadeiros, cristãos e fiéis dirão sobre
esse assunto (p. 304).
2.
O
abandono das escolas é uma estratégia do diabo:
Não admira que o diabo tome esta atitude a esse respeito, convencendo os
carnais corações mundanos a negligenciarem os filhos e a juventude [...] Acaso
seria de esperar que lhe agradasse o fato de seus ninhos, os conventos e hordas
espirituais, serem destruídos pelo Evangelho? Pois é justamente nestes que mais
arruína os jovens, e ele tem muito, sim, todo o interesse neles [...]. Por isso
agiu com muita inteligência [...] Aí ele interveio e lançou suas redes,
constituindo esses conventos, escolas e estados, de modo que um menino poderia
escapar-lhe somente por um milagre especial de Deus [...] Pois se quisermos
causar-lhe algum prejuízo que ele sinta de fato, isso deve ser feito pela
juventude que cresce no conhecimento de Deus e que divulga a palavra de Deus e
a ensina a outros. Ninguém, mas ninguém mesmo, acredita que diabólico
empreendimento danoso é este; enquanto isso a coisa acontece com tanta
tranquilidade que ninguém o percebe, e o prejuízo está feito mesmo antes que se
possa aconselhar, defender-se ou ajudar. Tememos o turco, guerras e enchentes
[...]. Mas a este propósito do diabo, este ninguém enxerga e também ninguém o
teme; isso acontece em silêncio (p. 304, 305).
3.
A
falta de uma política educacional. Caros senhores.
Anualmente é preciso levantar grandes somas para armas, estradas, pontes,
diques e inúmeras outras obras semelhantes, para que uma cidade possa viver em
paz e segurança temporal. Por que não levantar igual soma para a pobre
juventude necessitada, sustentando um ou dois homens competentes como
professores? Também cada cidadão deveria pensar o seguinte: Até agora despendeu
inutilmente tanto dinheiro e bens com indulgências, vigílias, doações, espólios
testamentários, missas anuais pelo falecimento, ordens mendicantes, fraternidade,
peregrinações e toda a confusão de outras tantas práticas deste tipo; estando
agora livre dessa ladroeira e doações para o futuro, pela graça de Deus, que
doravante doe, por agradecimento e para a glória de Deus, parte disso para a
escola, para educar as pobres crianças, onde está empregado tão bem (p. 305).
4.
O
despreparo dos pais. [...] Há os que sequer são leais e
conscientes a ponto de fazê-lo ainda que tenham condições para tanto. Como as
avestruzes, também eles se endurecem contra seus filhos, contentam-se com o
fato de terem se livrado dos ovos e de terem gerado filhos; além disso nada
mais fazem [...]. Infelizmente, a maioria das pessoas mais velhas não tem
aptidão para tanto e não sabe como educar e ensinar crianças. Pois elas
próprias nada aprenderam a não ser encher a barriga. Para ensinar e educar bem
as crianças precisa-se de gente especializada [...] Mesmo que os pais fossem
aptos e o quisessem assumir, eles não têm tempo nem espaço em face de outras
atividades e dos serviços domésticos (p. 308).
5.
Educação: responsabilidade dos pais
e das autoridades governamentais.
Responsabilidade
dos pais. [...] o mais importante, a saber, o próprio
mandamento de Deus que estimula e exige com tanta frequência por meio de Moisés
que os pais ensinem os filhos [...] Isso o demonstra também o Quarto Mandamento
de Deus, onde ordena os filhos a obediência aos pais com tanto rigor que filhos
desobedientes devem ser inclusive condenados à morte pelo tribunal (Dt 21.18
ss). Aliás, para que vivemos nós velhos senão para cuidar da juventude, ensinar
e educá-la? [...] Na verdade, é pecado e vergonha o fato de termos chegado ao
ponto de haver necessidade de estimular e de sermos estimulados a educar os
nossos filhos e a juventude e de buscar o melhor para eles (p. 307).
Responsabilidade das autoridades governamentais. Portanto,
a necessidade obriga a mantermos educadores comunitários para as crianças
[...]. Por isso certamente será de competência do conselho e das autoridades dedicar
o maior cuidado e o máximo empenho à juventude. A eles, como curadores, foram
confiados os bens, a honra, a honra, corpo e vida de toda a cidade. Portanto,
não agiriam responsavelmente perante Deus e o mundo se não buscassem, com todos
os meios, dia e noite, o progresso e o melhoramento da cidade. Agora, o
progresso de uma cidade não depende apenas do acúmulo de grandes tesouros, da
construção de muros de fortificação, de casas bonitas, de muitos canhões e de
fabricação de muitas armaduras [...]. Muito antes, o melhor e mais rico
progresso para uma cidade é quando possui muitos homens bem instruídos, muitos
cidadãos ajuizados, honestos e bem educados. Estes então também podem acumular,
preservar e usar corretamente riquezas de todo tipo de bens (p. 309).
Devem
ser criadas instituições escolares. Mesmo que (como já
disse) não existisse alma e não se precisasse das escolas e línguas por causa
da Escritura e de Deus, somente isso já seria motivo suficiente para instituir as
melhores escolas tanto para meninos como para meninas em toda parte, visto que
também o mundo precisa de homens e mulheres excelentes e aptos para manter seu
estado secular exteriormente, para que então os homens governem o povo e o
país, e as mulheres possam governar bem a casa e educar bem os filhos e a
criadagem (p. 318).
A Escola deveria:
- Ter
salas mistas. Meninos e meninas;
- Metodologia
de ensino lúdica (p. 319) e História.
- Tempo
de aulas: 02 horas para os meninos, seguido de ofícios em casa; 01 hora para
as meninas, mais atividades domésticas (p. 320).
- Biblioteca.
O livro fundamental, as Escrituras (p. 324).
Críticas de Lutero
Dirigidas aos Clérigos: Se
hoje se fundissem todos os bispos e todos os padres e monges da Alemanha num só
bolo, não se encontraria tanto quanto se encontrava num único soldado romano
[...] Deixaram a juventude crescer como as árvores no mato, sem se preocuparem
como ensinar e educá-la; por essa razão se desenvolveram de modo tão deformado
que não servem para nenhuma construção, havendo somente uma capoeira
imprestável, útil somente para o fogão (p. 310).
Dirigidas aos governos:
Sempre haverá de existir um regime secular. Acaso se há de permitir que
governem apenas grosseirões e malandros, quando se pode fazer as coisas muito
bem de outro modo? Isso é um procedimento selvagem e insensato. Por fim, seria
melhor transformar porcos e lobos em senhores e nomeá-los para governarem sobre
pessoas que não querem preocupar-se como poderiam ser governados por gente. Também
é uma maldade desumana quando não se pensa além do seguinte: Agora nós estamos
no governo que nos interessam os problemas dos que vêm depois de nós? Pessoas
deste tipo, que no governo procuram apenas seu próprio proveito e honra, não
devem governar sobre seres humanos, mas sobre porcos e cachorros (p. 310).
Dirigidas aos professores.
Além disso, recebemos e tomamos sobre nossas costas as máscaras do diabo, os
monges, e o fantasma das universidades que erguemos a custos de esforços
desumanos, e muito doutores, pregadores, mestres, padres, monges, ou seja,
grandes grosseiros e gordos burros, ornados de barretes vermelhos e marrons,
como o porco com uma corrente de ouro e pérolas, que não nos ensinaram nada de
bom; pelo contrário, nos cegaram e confundiram cada vez mais e, em recompensa,
devoraram todos os nossos bens e encheram todos os conventos, sim, todos os
nossos bens e encheram todos os conventos, sim, todos os cantos somente com a
sujeira e esterco de seus livros sujos e venenosos. É um horror só pensar nisso
[...] Durante todo este tempo tivemos que nos satisfazer com professores e
mestres deste tipo: eles próprios nada sabiam e não eram capazes de ensinar
nada de bom e decente, e também não conheciam os métodos como aprender e
ensinar (p. 323).
Considerações finais
De que valeria se, no
mais, tivéssemos e fizéssemos tudo e fôssemos todos santos, mas deixássemos de
fazer aquilo que é a razão principal de nossa existência: a educação da
juventude? Em minha opinião, nenhum pecado exterior pesa tanto sobre o mundo
perante Deus e nenhum merece maior castigo do que justamente o pecado que
cometemos contras as crianças, quando não as educamos (p. 307).